Sobre os anos 80
Se teve alguma coisa boa vinda dos anos 80 você deve isso à Guerra Fria. Tão fria que todo mundo quase morreu de tédio. Alguns dos mais impressionantes avanços tecnológicos foram por causa da briga idiota entre americanos e russos: “Eu tenhoooo, você não teeeem!!!”. A Guerra Fria era assim: um americano e um russo entravam no banheiro pra urinar e um ficava olhando pro foguete do outro pra saber se era nuclear ou não. Depois de muito espiarem um ao outro, percebiam que ambos eram nucleares. E levantavam. Um em direção ao outro. Espiões gays fizeram a festa na Guerra Fria. Terá sido essa a gênese da idiotice e boiolagem americanas?
Eu acho que fui a melhor coisa surgida nos anos 80. Por aí você tira o resto. Se meus pais tivessem mandado ver 2 anos antes eu teria nascido nos anos 70. Isso seria até interessante. Mas não. Eles me botaram no mundo num momento em que jogadores de futebol passavam vaselina na virilha pra não ficarem estéreis depois do jogo. Não era mais fácil usar um uniforme mais confortável?
Meu pai era magro. E tinha cabelo. Preto. Estranho. Mas ninguém merece aqueles óculos Ray Ban casco de tartaruga. Aqueles do Stallone Cobra. Aliás ninguém merece o Stallone. Se bem que ninguém merece nenhum filme dos anos 80. A televisão dos anos 80 era igualzinha à de hoje: era ruim demais. Só que eles eram engraçados. O que era aquele cabelo do Sérgio Chapelin? Os Trapalhões eram um barato. Eu gostava do Bud Spencer e do Terence Hill. Piquet era o cara.
Mas – aspecto notável – os anos 80 foram os anos do “quase”. Eles quase fizeram coisas notórias. Quase entraram pra história com grandes feitos. Quase que o Jeff Beck gravou um disco bom. Quase foram tão corajosos quanto a moçada dos anos 70. Quase foram ousados...
Injustiça minha! Eles ousaram bastante. Em que outra época da humanidade alguém teve coragem de fazer uso tão profundo de uma estética tão deprimentemente exagerada? Quem mais pôde se contentar com tão pouco? Em que outra época tiveram um terreno tão propício pra fincarem as raízes de um consumismo tão barato? Em que outra época minha mãe usaria umas roupas tão frouxas?
Não sei... Talvez por causa do cansaço. Vietnã, napalm, contracultura morrendo, Kennedy, ditadura. Isso aí foi a pá de cal que apagou o fogo. E foi a pá de carvão que acendeu a AIDS, as drogas sintéticas e a Xuxa.
Produtores artísticos brasileiros se tocaram nos anos 80 de uma coisa que Frank Zappa dizia desde os anos 50: era possível fazer muito, mas muito dinheiro se pudessem criar mecanismos de massificação de uma cultura que fosse rapidamente consumida e que isso abrisse rapidamente o caminho pra uma nova demanda. Algo como gafanhotos culturais.
“Meu ursinho bláu-bláu! Úi, bláu-bláu!”
Não que hoje seja muito melhor. Mas pelo menos temos uma solução: internet. Eu ainda acho que não usamos nem 30% do poder da internet. Ela é como o Velho Oeste: uma terra sem lei. Pelo menos por enquanto. Como no Velho Oeste, nela podemos ir e vir. Mandar e trazer. Vagar como bom pirata. Com ela estamos podendo plantar a semente de uma cultura: algo que podemos sustentar e divulgar sem esperar pela boa vontade da televisão. Finalmente chegamos à porta do paradoxo que queriam nos anos 70: um underground à luz do dia. Ou dos monitores.
Mas eu confesso: sinto falta do João Penca e seus miquinhos...