terça-feira, fevereiro 26, 2013

O canto da sereia e do Steve Jobs

Como minha amiga Rosa Brito ressaltou outro dia, eu sou um cara old school. Não que eu seja exatamente um conservador ou saudosista, mas eu tenho cá meus princípios e sou paciente o suficiente pra esperar pra ver até onde a trilha de novidades leva as pessoas. 



Mas erros acontecem. Abraços calorosos, firmes apertos de mão, olhares convictos ou vozes meigas com discursos sedutores podem nos convencer que fazem parte da solução, mas que acabam trazendo demandas pós-pós-pós-modernas que antes não faziam parte da sua vida. Produtos como o novo computador, a super TV ou roupas de dondocas. Às vezes vendem atitudes: controlar, medir, contar: controlar a fala, medir altura, medir cintura, contar calorias, contar os minutos pra ir embora, contar grãos de arroz, contar azulejos ou contar estrelas. Às vezes o cosmos nos prega a infeliz peça de nos vender o combo completo: pessoas entram nas nossas vidas trazendo esses produtos e essas ideias. 

Eu sou bastante apegado à realidade e confio bastante na minha experiência corpórea, portanto raramente caio na lábia dos vendedores de felicidade ou dessas pessoas de plástico. Mas até mesmo um cara feito eu pode cair nessas arapucas pós-modernas-pré-apocalípticas, tornando meu mundo muito grande, confuso demais e muito cheio de angústias que antes não existiam. 

E domingo, mesmo um pouco pra baixo e me sentindo meio culpado por ter traído meus próprios princípios, resolvi não quebrar minha rotina de treinos: fui com minha bicicleta, tristeza e tudo para a serra de Maranguape e fiz um treino de duas horas. Passei a primeira hora desconectado do presente e lamentando o passado, me perguntando o quão burro eu fui por ter caído na arapuca. Mas no início da segunda hora, consegui permanecer mais atento ao presente e lembrei que eu estava ali em contato com uma das minhas alegrias mais antigas, inocentes, sinceras e reais. Meus braços e pernas estavam sendo moídos por uma trilha mais difícil e pesada que o esperado por causa das chuvas recentes. Era apenas um cara praticando um esporte agressivo e solitário. Fiquei essa segunda hora pensando em o quão sortudo eu sou por perceber que isso faz parte de mim e por poder sair com poucas escoriações de um mundo de controle, demandas falsas, manipulação e deslealdade. Ali estava o que realmente me interessa: uma alegria sincera, quase infantil. O circo pega fogo e minha pele queimou um pouco, mas eu permaneço o mesmo.

Por fim, como se esse insight tivesse sido pouca coisa, a mãe natureza ainda me mostrou o sol indo dormir atrás da serra. Fim de treino, sentado ali sozinho por uns 10 minutos, fiquei pensando nas pessoas que eu queria que estivessem ali e que compartilham de alguns desses valores. Acho que o nome disso deve ser companheirismo. O momento e a minha bicicleta estão aí nessa foto.

Posso errar e cair no canto da sereia (ou do Steve Jobs) mas minhas raízes não são essas da nova escola. Meu mundo não é grande, pretensioso, histérico e mesquinho. Meu mundo é grato, humilde, bonito e pequeno. Tão pequeno que eu consigo dar uma volta ao redor dele de bicicleta.