O canto da sereia e do Steve Jobs
Como minha amiga
Rosa Brito ressaltou outro dia, eu sou um cara old school. Não que eu seja
exatamente um conservador ou saudosista, mas eu tenho cá meus princípios e sou
paciente o suficiente pra esperar pra ver até onde a trilha de novidades leva
as pessoas.
Mas erros
acontecem. Abraços calorosos, firmes apertos de mão, olhares convictos ou vozes
meigas com discursos sedutores podem nos convencer que fazem parte da
solução, mas que acabam trazendo demandas pós-pós-pós-modernas que antes não
faziam parte da sua vida. Produtos como o novo computador, a super TV ou roupas
de dondocas. Às vezes vendem atitudes: controlar, medir, contar: controlar a
fala, medir altura, medir cintura, contar calorias, contar os minutos pra ir
embora, contar grãos de arroz, contar azulejos ou contar estrelas. Às vezes o
cosmos nos prega a infeliz peça de nos vender o combo completo: pessoas entram
nas nossas vidas trazendo esses produtos e essas ideias.
Eu sou bastante apegado à realidade e confio
bastante na minha experiência corpórea, portanto raramente caio na lábia dos
vendedores de felicidade ou dessas pessoas de plástico. Mas até mesmo um cara
feito eu pode cair nessas arapucas pós-modernas-pré-apocalípt icas,
tornando meu mundo muito grande, confuso demais e muito cheio de angústias que
antes não existiam.
E domingo, mesmo um pouco pra baixo e me sentindo
meio culpado por ter traído meus próprios princípios, resolvi não quebrar minha
rotina de treinos: fui com minha bicicleta, tristeza e tudo para a serra de
Maranguape e fiz um treino de duas horas. Passei a primeira hora desconectado
do presente e lamentando o passado, me perguntando o quão burro eu fui por ter
caído na arapuca. Mas no início da segunda hora, consegui permanecer mais
atento ao presente e lembrei que eu estava ali em contato com uma das minhas
alegrias mais antigas, inocentes, sinceras e reais. Meus braços e pernas
estavam sendo moídos por uma trilha mais difícil e pesada que o esperado por
causa das chuvas recentes. Era apenas um cara praticando um esporte agressivo e
solitário. Fiquei essa segunda hora pensando em o quão sortudo eu sou por
perceber que isso faz parte de mim e por poder sair com poucas escoriações de
um mundo de controle, demandas falsas, manipulação e deslealdade. Ali estava o
que realmente me interessa: uma alegria sincera, quase infantil. O circo pega
fogo e minha pele queimou um pouco, mas eu permaneço o mesmo.
Por fim, como se esse insight tivesse sido pouca
coisa, a mãe natureza ainda me mostrou o sol indo dormir atrás da serra. Fim de
treino, sentado ali sozinho por uns 10 minutos, fiquei pensando nas pessoas que
eu queria que estivessem ali e que compartilham de alguns desses valores. Acho
que o nome disso deve ser companheirismo. O momento e a minha bicicleta estão
aí nessa foto.
Posso errar e cair no canto da sereia (ou do Steve
Jobs) mas minhas raízes não são essas da nova escola. Meu mundo não é grande,
pretensioso, histérico e mesquinho. Meu mundo é grato, humilde, bonito e pequeno.
Tão pequeno que eu consigo dar uma volta ao redor dele de bicicleta.