sexta-feira, maio 19, 2006

Carta de um amigo a outro

Caro Charles Xavier,

Tenho estado desconcentrado em algumas das minhas atividades corriqueiras ultimamente. Em várias delas me pego pensando em você. Na verdade, tenho pensado no que nós construímos e desconstruímos juntos ao longo desses vários anos. Você tem sido uma referência para mim. Alguns dos meus movimentos foram feitos pensando no que você faria no meu lugar. Você sabe bem o que é isso, não é?

Mas eu simplesmente não posso negar o quanto nossa amizade me instiga. Instiga-me de muitas formas. Sempre percebi – desde muito cedo – o quanto o calor de nossa amizade parecia se dissipar em algo que parecia ser de vidro. Até hoje me parece que esse calor – gerado numa cumplicidade imensa e muito íntima – esbarra numa gélida tela medo, receio, quase antipatia.

O fato, velho amigo, é que - mesmo passados todos esses anos, todas as nossas conversas, risadas e veladas brigas - você não me conhece. Não conhece por mais de uma razão: além do fato de raras vezes eu ter aberto o espaço para isso, você se recusou de bom grado a aproveitar essas poucas oportunidades. E é bom que se diga que não o culpo nem o julgo. Na verdade até compreendo. Compreendo que chegou um momento em que você se sentiu incomodado com meu modo de caminhar. Compreendo seu modo reativo de deslizar nessa enorme bola azul. Compreendo muito bem o quanto você se esforça para atingir seus objetivos e o quanto não vê nenhum tipo de “maldade” em suas atitudes – seus princípios morais, logo eles, que são muito sofisticados e tão massacrantes quanto. Afinal, como você já deve saber a essas alturas do campeonato e considerando o quanto você está em turbulência, os princípios morais são justamente o que nos derrubam cedo ou tarde.

Mas ora, essa velha enorme bola azul que citei dá muitas voltas, não é, meu querido irmão?

É óbvio que eu demorei pra perceber muitas coisas sobre mim mesmo. Mas é claro que isso aí também tem acontecido com você, não é? Eu fiquei muito feliz por ter visto você alcançar suas primeiras vitórias baseadas em sua capacidade. Mas eu também percebi que você teria um problema quando transformou sua força em sua tão valorosa virtude. Estou bestificado por ver que você ainda não havia percebido que está sendo derrubado pela sua atitude de conservar sua virtude como sendo um ídolo. Logo você, que uma vez me disse que eu tinha tanta certeza das coisas. Interessante notar que a única certeza que eu sempre tive era a de que a minha fortaleza era apenas uma ferramenta, e não um fim em si. E esse meu pensamento, ainda que elaborado precariamente e com rudimentares ferramentas, tem se mostrado um fiel amigo para mim em minha trajetória. Continuo trabalhando no sentido de que minha fortaleza de amanhã seja outra e maior que a de hoje. Estou surpreso por ver que você ainda não havia percebido que você está sendo derrubado pela sua atitude de conservar, manter, valorar e preservar.

Ora, é óbvio que você me trouxe muitas coisas boas. Você me provocou. Você me ajudou a perceber o quanto há espaço para caminharmos e mais do que ninguém você entende de caminhar. Você começou a caminhar muito antes de mim – enquanto eu fiquei sentado olhando para o que estava ao meu redor, com raízes fincadas de maneira profunda e doentia, reagindo a tudo que me tocava, sem dar o devido valor ao que o vento me trazia. A mudança ocorreu no momento em que eu vi que o que é realmente meu está longe e que só chegaria lá por caminhos que ainda não foram abertos – o meu caminho! Vi você quando comecei a minha trajetória – você estava caminhando a passos firmes e com um ar arrogante por uma bela estradinha pavimentada ladeada por cheirosos eucaliptos rumo a uma coisa que você já sabia o que era antes mesmo de começar a caminhar.

Um dia eu dei uma diabólica gargalhada quando você me disse que minha caminhada estava muito lenta. Talvez não tenha percebido, mas você estava caminhando na sua segura estradinha enquanto eu estava não na sua frente nem atrás, mas acima de você, onde só eu e outras pessoas tiveram a força de ir.

Charles, meu velho amigo, tem sido magnífico escrever essas linhas e imaginar o quanto nós somos ligados e mais magnífico ainda imaginar o quanto isso é improvável, pois não é exagero falar que você tem tudo aquilo que eu mais detesto numa pessoa. Ainda o respeito, mas para levar meu calor até você, eu teria que descer muitos quilômetros para fazer isso. Esse lugar por onde você caminha tem gente demais, gente que o segue e admira suas virtudes e que você arrebanha com suas idéias de igualdade, liberdade e fraternidade, Ora, Charles! A sua fraternidade assistencialista é tão estéril quanto repugnante. Sua igualdade é para mim tão detestável quanto impraticável e sua liberdade nunca será atingida pelos seus modos. Se há igualdade, não pode haver liberdade. Só somos livres no momento em que lutamos e só há luta onde há diferença.

Prefiro meus poucos amigos das alturas, onde o ar é mais limpo e rarefeito e onde imaginamos que outras coisas nos unem além de fraternidade estéril, liberdade conservadora e igualdade inatingível e indesejável. Mas devo dizer que tenho ficado feliz em perceber que você foi atingido seriamente por você próprio onde mais dói: no seu tão virtuoso coração. A virtude valorosa é uma doença, caro amigo. Não pense que seu coração está doente agora. Ele já estava doente antes.

Franca e cordialmente,
Erik Magnus Lensherr, também conhecido como Magneto.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Tem razão sobre a postura de Magnus...Achei que ele não iria se dirigir ao Professor X usando o sobrenome,no máximo chamria por CHarles...
Pena que os narradores vêem o lado do Chavier e o magneto meio que passa como vilão,otário...Parece-me que as coisas são dicotomizadas nessa realidade dos X-men...
Bem,mas Magnus tem lá seus companheiros de postura e idéias,como o o nosso ícone do Super-Homem nietzcheano:aLEXander Luthor.
Hey,procura sobre o personagem LOBO da editora dc comics...(o mais porra louca de todos os que já vi)Só pra ter uma base.ele matou todos os habitantes do planeta dele só pq acordou de mau humor...
E o garotinho devia ter feito era greve de ar...
"Greve de fome é coisa de gente Gandhi e ele é só um garotinho"




Abraço




Hilário Ferreira

8:37 PM  
Anonymous Anônimo said...

eu poderia dizer algumas coisas
ou posso, se vc quiser...

4:35 PM  
Anonymous Anônimo said...

é como eu disse, tu se garante muito!

6:29 PM  

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